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Sociedade Amigos da Dalmácia



Sobre a história da Croácia e Dalmácia
A Croácia é um país relativamente desconhecido no Brasil, um fato que, apesar de parecer generalizado, contém várias nuances que merecem ser exploradas. Nos últimos cinco a dez anos, o interesse dos brasileiros pela Croácia aumentou consideravelmente, especialmente após a emancipação política do país em 1991, com a independência da antiga Iugoslávia, e sua entrada na União Europeia em 2013. Esses eventos marcaram a visibilidade da Croácia no cenário internacional, especialmente para os descendentes de croatas no Brasil, que viram nessas mudanças uma oportunidade para resgatar suas raízes culturais e explorar novas possibilidades econômicas, como a cidadania croata, que oferece vantagens para quem deseja morar ou trabalhar na Europa.
Além disso, a imagem inicial da Croácia no Brasil, fortemente associada aos conflitos da década de 1990, tem gradualmente dado lugar a um novo olhar, mais positivo e turístico, à medida que um número crescente de brasileiros se interessa pelas belezas naturais e pela cultura croata, frequentemente promovida pela mídia brasileira. No entanto, para entender a construção da identidade croata, é necessário considerar a complexa história cultural do país, marcado por uma interação constante entre diferentes povos e culturas ao longo dos séculos.
A Croácia sempre desempenhou o papel de mediadora entre culturas eslavas e não eslavas, em um processo contínuo de tentativa de preservação de sua própria identidade sem ser suprimida pelas influências externas. Esse processo gerou uma hibridação cultural única, especialmente visível em sua elite intelectual, que ao longo da história procurou formular uma identidade nacional que ao mesmo tempo respeitasse suas tradições e interagisse com culturas culturalmente "incompatíveis". Nesse contexto, líderes croatas recorreram à produção de uma vasta literatura – panfletos, livros didáticos, gramáticas, textos jornalísticos e políticos – para definir e afirmar a identidade croata.
No século XIX, à medida que outros povos europeus avançavam na construção de suas identidades nacionais, os croatas também começaram a buscar uma identidade mais unificada. Esse movimento, denominado Renascimento Popular Croata, que se consolidou a partir de 1830 e se estendeu até o final do Império Austro-Húngaro, refletiu o esforço do país para solidificar uma noção de pertencimento nacional. Contudo, com a formação da Primeira Iugoslávia em 1918, muitos croatas ainda se identificavam mais com suas regiões de origem – como Dalmácia, Slavônia, Istria, Kvarner, Lika – do que com a nação croata em si. Essa fragmentação regional ficou evidente na classificação do Anuário Estatístico de Emigração publicado nos anos 1920 e 1930, que separava as regiões da Croácia em duas categorias principais: Hrvatska/Slavonija (Croácia/Eslavônia) e Dalmacija (Dalmácia), refletindo as distintas identidades regionais.
A Dalmácia, em particular, possui uma história de contato mais estreito com os italianos, especialmente nas regiões do norte e nas ilhas. A integração política e administrativa da Dalmácia ao resto da Croácia só ocorreu com a formação da Iugoslávia em 1918. Porém, as elites croatas de Belgrado não favoreciam uma maior integração dessa região ao projeto nacional croata. Isso fez com que a identidade dálmata demorasse mais a se consolidar em termos de pertencimento à nação croata, sendo mais fortemente definida pelos desafios e tensões gerados pelas ocupações italianas nos anos 1920 e 1930 e pela Segunda Guerra Mundial.
Portanto, a história da Croácia e da Dalmácia é profundamente marcada por uma construção identitária complexa, marcada pela intermediação de diferentes influências culturais e pelo desafio de manter uma identidade própria em meio a pressões externas. Hoje, essa história continua a moldar a forma como os croatas, e especialmente os descendentes de croatas no Brasil, se relacionam com o país de origem e buscam resgatar e preservar suas tradições culturais.



A imigração croata no Brasil
A imigração croata no Brasil começou a se intensificar no final do século XIX, quando imigrantes de diversas regiões da Croácia, incluindo a Dalmácia, começaram a chegar ao país, motivados por crises econômicas e pela instabilidade política que se agravou com o início da Primeira Guerra Mundial. Na época, a Croácia fazia parte do Império Austro-Húngaro, que foi desmembrado após o conflito, dando origem ao Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, conhecido posteriormente como a Primeira Iugoslávia. Por essa razão, muitos croatas foram registrados como iugoslavos, austríacos, húngaros ou até italianos, dependendo da região de origem, e não como croatas ou dálmatas, o que dificultou o reconhecimento da chegada de imigrantes croatas no Brasil até o final do século XX.
Nesse mesmo período, o Brasil estava implementando uma nova política migratória para substituir a mão de obra escrava e povoar o interior do país. Em 1924, o governo brasileiro iniciou uma campanha intensiva para atrair imigrantes europeus e japoneses, com o objetivo de suprir a demanda de trabalhadores para as lavouras de café. De acordo com um folheto da época, podiam emigrar para o Brasil famílias compostas por pelo menos três membros, sendo nenhum com mais de cinquenta anos de idade. A maioria dos imigrantes croatas passou de quatro a cinco anos trabalhando nas fazendas de café, mas aqueles que não resistiram às duras condições de trabalho fugiram para as cidades em busca de melhores oportunidades de vida. Após a crise do café, em 1929, não há registros de imigrantes croatas permanecendo nas fazendas; a grande maioria se dirigiu para São Paulo, estabelecendo-se em bairros operários como a Mooca e o Belenzinho, onde predominavam indústrias têxteis e de tabaco.
Nesses bairros, os imigrantes croatas começaram a recriar, de certa forma, as antigas aldeias de origem, com ruas inteiras ocupadas por croatas e dálmatas de regiões como Blato e Vela Luka. Nessa época, eram frequentemente chamados de "iugoslavos" ou "bichos-d'água" – um termo pejorativo utilizado pelos locais para se referir aos imigrantes do leste europeu, que atravessaram mares e falavam línguas incompreensíveis para os brasileiros.
Logo após sua chegada, os imigrantes croatas começaram a se organizar em cooperativas familiares, estabelecendo redes de apoio mútuo em todos os aspectos da vida cotidiana, criando laços fortes e próximos dentro da comunidade. À medida que o número de imigrantes aumentava, surgiram as primeiras cooperativas em São Paulo, com o objetivo de auxiliar na integração econômica, habitacional e cultural dos imigrantes. No entanto, a partir da década de 1930, com a crescente repressão do governo brasileiro contra a imigração, que via os imigrantes como uma ameaça à ordem nacional, muitas dessas cooperativas foram forçadas a fechar ou a se transformar em associações, uma tentativa de adaptação ao novo contexto político. O governo brasileiro impôs restrições e, em alguns casos, exigiu a nacionalização dessas entidades, excluindo atividades econômicas e sociais de caráter étnico, como as que envolviam os imigrantes croatas e iugoslavos.
A partir da década de 1950, com a diminuição da repressão, novas entidades foram fundadas, mas com um foco mais restrito à preservação da cultura croata, com ênfase em aspectos como a língua, a dança e as tradições. Esse foco cultural perdurou por várias décadas, até que, mais recentemente, surgiram discussões sobre a necessidade de ampliar a atuação dessas entidades para incluir aspectos mais amplos da vida social, como a criação de grupos de estudo sobre negócios entre o Brasil e a Croácia, além de redes de profissionais de origem croata. Esse movimento reflete a evolução das organizações imigrantes, que passaram de uma preocupação com a sobrevivência e integração imediata para uma atuação mais diversificada e voltada para o fortalecimento das relações bilaterais e a valorização da história e da cultura croata no Brasil.


